domingo, 12 de abril de 2009

NASCIMENTO





óleo de Dina Ventura
Dádiva da Natureza em que a principal tarefa da vida do ser humano é a de dar nascimento a si próprio.




Nascer e crescer...

Parto 1

Onde estou eu? Que lugar é este onde me puseram sem carta de apresentação?
E foi assim que vim, que entrei aqui sem conhecer ninguém. Mas logo me vi rodeada.
Que querem? É para me verem? Que tenho de estranho?
Eles é que são. São enormes e chamam-se gente.
Donde vieram? Donde eu vim? Mas donde vim eu?
Sei que não os conheci e agora também não. Parecem-me agradáveis.
Não é isso, eles dizem-se bons, que gostam de mim, enfim são familiares, é isso.
Dizem que são família e tratam-se como tal, pelos nomes ques lhes ensinaram.
São bastante confusos, é melhor eu não falar.
Que graça mesmo não falando eles percebem-me, será?
Bem, pelo menos no campo material, porque nos outros campos...
Não devem saber, coitados. Pelo menos não os sinto.
Mas resolvi, não vou falar porque não quero explicar-lhes o que sinto, não vão perceber.
Que teimosos, só querem que os imite:
Querem que fale, que ande, que quererão afinal?
Sérá que não me percebem? Vou gritar, talvez assim me percebam. Grito! Grito! Grito!

Parto 2

Sabem uma coisa, cansei-me de gritar.
Vou ceder, vou falar como eles, pelo menos parecem satisfeitos.
Falo, ando e eles são felizes porque eu pareço feliz. São mesmo superficiais!
E sabem? Já me mandam, mandam não, exigem! Exigem que conte, números imaginem!
E pronto, uma vez mais cedi. Dei por mim a fazer rabiscos.
Ou melhor, como eles dizem, a escrever, a ler, a contar...e a chorar de já ser gente como eles!
E que fizeram eles quando chorei?
Que sou uma tola, porque choro, que sou ingrata, chorar por ter tudo.
Mas afinal que tenho eu?
Tenho um mundo que não conheço, que querem que eu veja como eles o vêem.
E vi. Vi que o mundo é um martírio de gente, não há Mundo, nem Vida, só há gente!

Parto 3

Já aprendi tudo o que queriam, pensava eu, claro, porque querem cada vez mais.
Mas só querem isso.
Eu é que me vou escapando e vou aprendendo outras coisas.
Que afinal eles não são tão família, nem tão bons como parecia,
Que me querem bem mas duma maneira cruel.
Tão cruel que me encarcera dentro de outras vidas,
Tapando o pouco de alimento que poderia existir, para alimentar a minha!
Mas vou cedendo ao longo do caminho e começo a tentar desculpar.
Porque como dizem, sou carne da carne deles e portanto têm de gostar de mim,
Só querem o meu bem. Mas coitados, não saben oferecer e por isso eu vou desculpando,
Pois puseram-me cá, precisamente para serem compreendidos,
Entendidos e amparados quando precisarem!
É isso...mas que pena só eles precisarem!

Parto 4

Mas que apredizagem! É um mundo de contradições.
Imaginem que cheguei à conclusão que me é benéfico o que me exigiam.
Agora falo, escrevo, conto e como me é útil. Se não tivéssse aprendido era chamada de inadapata,
Mas, sinto-me inadapatada por ter aprendido. Mas vamos crescer por outro caminho.
Ao chegar ao termo das desculpas, acabo por as reforçar porque encontrei a chave do problema.
Ser adulto.
Os adultos, como se intitulam, têm outro mundo.
Um mundo escuro, mentiroso, mas acabam por ser sinceros,
Pois foi esse mundo que me mostraram! Estou-lhes grata, pois aceitei-o para o rejeitar!

Parto 5

Mundo tão desleal, rejeitei-o e vou à procura doutro.
Vou à procura do meu Mundo!
Quero que não haja mentira, nem sofrimento, nem dor.
Mas logo que penso nisso começo a sofrer!
Porque esse mundo não existe, ou melhor,
Poderá exisitir em mim, mas vou dá-lo e partilhá-lo com quem?
Ninguém o quer. Começo a sofrer.
Acontece por vezes surgir-me, uma pequena luz...lá longe,
Mas logo depois é abafada, pela escuridão das desfeitas e começo a pensar numa nova luta.
E penso...quantas pessoas andarão como eu, isoladas a lutar, procurando um mundo melhor?
Porque não as procurar e partir com elas para uma mesma luta!
Mas não sei, não as vejo e, quando me parece tê-las encontrado, não querem e desistem
E eu começo a perder a vontade de lutar...
Para descansar vou à procura de um papel e caneta, para mostrar aos adultos que tinham razão.
É preciso saber escrever! Pena é que eles não entendam,
Porque é que saber escrever é importante para mim!

Parto 6

Sou adulta, consideram-me, é da lei! Mas ando na ilegalidade.
Procuro no máximo tempo possível, ser criança!
Mas é muito dificil, é uma luta constante entre a verdade e a mentira.
Por vezes sinto-me a cair numa rede de malhas muito pequenas.
Mas sempre consigo sair. Mesmo a sangrar vou para o meu Mundo.
São tantas as dores que se curam mutuamente.
Depois, curada estou e eis-me novamente no meio dessa luta sangrenta pela sobrevivência,
No mundo dos adultos.
Já não há mais mundo sequer. Para sobreviverem já o começaram a destruir e
Sentem-se felizes de tanta infelicidade.
Que virá a seguir? Que nome terá? Será morte ou final de uma missão.
Missão de destruição final e em mim a esperança de começar de novo para um Mundo diferente!
(in: nas asas do vento encontrei orixá) Dina Ventura

Então ainda bem que nasci, porque todos nós temos uma missão, uma tarefa, para connosco, para com os outros, para com o mundo e em especial para com a Vida. Lutem para acreditar e conseguirão ser felizes.