segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A CHEGADA - III - HÁ MAIS


Pormenor da tela do pintor Bernardino Costa (B.C.)

Só pode haver.
Algo ou algos dentro de mim,
Que fazendo parte de um Todo,
São Todos também.
Tenho de os ver assim.
O tempo que demora a desbravar
É directamente proporcional
Ao que sinto desbravar em mim.
Não sei se será egoísmo,
Mas não,
Penso que é necessidade de crescer.
Como uma fonte.
Se a comparação for vaidade
Ou pretensiosismo, assumo.
A Fonte apoiada na sua nascente
Deixa que água brote, com que finalidade?
Não acredito que seja apenas por...
Há uma interligação entre essa fonte
E tudo o que ela poderá abranger,
Sendo tanto maior
Quanto maior o alimento na nascente,
Tornando-se depois numa necessidade,
Utilidade cíclica.
No final de tantas voltas
Chego à conclusão
Que tudo era muito mais simples
Do que sempre imaginei
E que só somos de Verdade quando:
Chegamos a nós e aos outros;
Que não estamos sós;
Que temos a energia suficiente e necessária
Para chegarmos à Luz.
Parece realmente fácil,
Mas para isso é sempre necessário
Percorrer um caminho.
Quem tiver a Sabedoria para o encontrar
Sem sofrimento,
Tanto melhor, se é que é possível,
Porque questionarmo-nos profundamente,
Olharmo-nos no fundo da alma
Por vezes é difícil,
Mas sem o fazermos não conseguimos chegar.
Não basta socorrermo-nos
De quem julgamos ter poderes sobrenaturais
E pós mágicos,
Pedindo-lhes que façam por nós
O trabalho doloroso
Ou nos cedam a fórmula milagrosa
Que nos permita transformar a nossa vida
Apenas com um pedido ou pagamento,
Sem que tenhamos a consciência plena
De que os obreiros edificadores somos nós
E que nem os deuses o farão,
Apenas nos poderão ajudar a ter forças
Para levar a bom termo a tarefa,
Caso vejam que o sentimento que nos impele é nobre.
Eles podem ajudar,
Mas apenas dentro de nós encontramos a poção certa,
Difícil é chegar até ela pelo caminho certo.
Mesmo às apalpadelas,
O que conta é a Vontade de Encontrar,
Tomando consciência
Que nem sempre o caminho que escolhemos é o melhor.
Chegando a essa primeira verdade,
Retomamos e chegaremos.
É a aprendizagem.

Dina Ventura in: nas asas do vento encontrei

A CHEGADA - II - OPTO


Pormenor - Tela do pintor Bernardino Costa (B.C.)

A temperatura é amena,
Permitindo que uma aragem bem fresca me toque.
A sensação é agradável.
Olho em redor
E vejo-me acompanhada da beleza,
Da frescura daquele lugar
E do envolvimento com a Natureza.
Volto a olhar para o cartão que me tinha levado até ali.
Palavras amarradas a um papel com o intuito de ferir.
Tento reler
Mas apenas vejo um cartão em branco
E apenas me sai:
Neve ou luz.
Sem grandes focagens
Apenas tento seguir em frente,
Em qualquer direcção.
Opto.
Sem optar,
Apenas impulsos,
Sigo sem rasto
O que o meu poder de orientação me indica.
Algo lá ao longe se começa a desenhar.
Não uma miragem
Mas a possibilidade de ser algo.
Caminho apenas embalada
Pela vontade de chegar.
Reúno em mim a construção
Do que estará lá,
Questionando-me se o será mesmo.
Nada melhor do que a curiosidade
Para o confrontar.
E se não for?
Algo será.
Só me resta saber.
Tremo.
Não na emoção da procura
Mas sim na emoção do encontro.
É algo superior a mim,
Incontrolável,
É um vibrar interior,
Que suplanta todas as emoções,
Porque as contém.
À medida que os contornos se vão tornando
Cada vez mais nítidos,
Facilmente me apercebo do que é.
Após uma análise superficial,
Sinto que posso continuar.
Há mais.

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei

A CHEGADA - I - ENTRO


Tela (pormenor) do pintor Bernardino Costa

Prostrada perante mim,
Embalada pelo calor que se faz sentir,
Olho sem conseguir enxergar nitidamente ao longe,
Mas semicerrando os olhos
Os contornos tornam-se mais nítidos.
Vou aproximar-me mais,
Apesar de saber que o caminho poderá ser longo,
Inútil e quem sabe, sem fim.
Compenso o calor desagradável
Com pensamentos frescos,
Ando sem parar,
Deixando que o fresco interior
Me apazigúe a caminhada.
Todo o percurso é árido, ressequido,
Apenas quebrado por uma solitária verdura
Que teima em sobreviver,
Um pouco fora do sítio.
Olhando mais atentamente para o seu verde,
Recobro as forças para avançar
Em direcção ao que me parece estar ao longe,
No fim da caminhada.
Esperança muito real,
Pois será onde descansarei após tal percurso.
Chego.
Paro e vejo que aparentemente valeu a pena.
Não sei se o interior será melhor ou pior,
Só sei que a entrada é frondosa
E dum verde inimaginável.
Folhas balançam de mansinho
Como que para afastar o calor,
Protegendo aquela entrada, gruta talvez,
Refrescada por uma pequena cascata
Com ar de velha habitante,
Que mais parece querer preservá-la.
Tudo me é familiar.
Com facilidade contorno um pequeno lago natural,
Equilibrando-me sobre as pedras
Que parecem postas ali ao acaso
Mas propositadamente alinhadas.
Chego à entrada
Um pouco dissimulada por plantas altas,
Canas que se vergam em sinal de vénia respeitosa
À luz que deixam entar.
Entro.

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei