quarta-feira, 30 de junho de 2010

TOMADA DE CONSCIÊNCIA



Vou ficar aqui.
Vou esperar por ti.
Vou publicar,
O que não escrevi.
Vou mostrar ao falso,
Todo o seu poder.
Vou dizer ao mundo,
O que sei fazer.
Quero acompanhar
O não evoluir,
Deste mundo falso,
Onde vim cair.
Acabo por descrer
Naquilo que acreditei,
É a luta constante
Do não viver por viver.
E agora a passos largos
Estou a chegar ao fim,
Duma luta sem luta
Dum descrer de mim.
Sem sonhos nem ilusões
Vou ter que lutar
Penso que tenho a vida,
Vida que vou conquistar!

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei - Ed. Caleidoscópio

sexta-feira, 25 de junho de 2010

NÃO MORRENDO PARA A VIDA...MORRE-SE EM PAZ


Há sempre a esperança
De uma felicidade próxima.
É tão dolorosa a espera que por vezes
Transforma cada momento num inferno!
É preciso acreditar.
Mas é preferível não viver esperando,
Porque isso torna a vida
Angustiada e não completa.
É preciso ter algo para viver.
Não se pode fazê-lo
Sem pelo menos ter a vida
E isso, claro, tem-se
Porque se está vivo.
Consegue-se ignorar a morte
Pois se não o fizéssemos
Viveríamos obcecados
E sem capacidade de pensar.
Porque não usar as mesmas armas
Para com as dificuldades
Que se nos apresentam!
Seria até mais fácil.
Porquê menosprezar o nosso Eu
Se conseguimos ultrapassar
O que está fora do nosso alcance!
Porque não ultrapassar
O que nós próprios construímos.
Será que o nosso poder
É superior à morte?
Não, sei que não é.
Ela é inatingível e só se atinge
Quando se acabou por esquecer.
Só aí ela aparece porque é livre!

Dina ventura - in: nas asas do vento encontrei - Editora Caleidoscópio

quinta-feira, 24 de junho de 2010

AMOR NO MUNDO


Depois de olhar para trás,
Enquanto espero o Sol,
Respondo a mim mesma
Indo noutra direcção.
É cedo ou tarde: luto, Ele me dará a mão.
Amar será tudo ou então nada se terá.
Mas deixem as coisas rolarem
Enquanto as faces aquecem.
Amando depressa,
Se faz tarde e cansa,
Mas Amar criando, faz Viver,
Ainda que a noite se aproxime.
Ri e Vive, sê franco e puro.
Procura-te!
Tu tens dentro do peito o que procuras,
Algo em troca, quem sabe o amor.
É por tudo o que acontece
Onde quer que se procure
Feliz do que anoitece,
Impotente mas com Luz.
Mas por outro lado há a dor
Dos que morrem,
Sem terem visto
O que de bom e a favor
Morre ao seu lado sem aviso.
Uns com tanto outros sem nada,
Dói por dentro, é uma facada
Onde nada acaba nem começa,
A água mantém-se estagnada.
Mas é o mundo.

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei

quarta-feira, 23 de junho de 2010

CHORO O MUNDO


Choram as pedras
Pelas coisas que não foram.
Choram os caminhos
Pelo tempo que não andam.
Choram as árvores
Pelo vento que não sentem.
Choram os rios
Pelos peixes que morreram.
Choram as aves
Pelo ar que lhes tiram.
Choram os inocentes
Pelas dores que não merecem
Choro eu,
Por não saber o Tudo que existe,
Por não conseguir saber
Porque choro,
Por não conseguir chorar.
Choro sem lágrimas visíveis.
Choro doloridamente o que perdi.
Choro o que se ausentou de mim.
Choro o que não consegui
Choro por não entender o Mundo
Choro por quem não sabe chorar
Choro por quem não sabe reclamar
Choro
Sem saber se choro o que devo.

Dina Ventura - in nas asas do vento encontrei

terça-feira, 22 de junho de 2010

DONO DE NADA


Se queres ferir,
Despreza o que te derem
E nem sequer te apercebas
Desse desprezo.
Age como se fosses
O dono do mundo,
Que não tens.
Fala como se ninguém ouvisse.
Olha como se não visses
Que te ouvem!
Faz isso e fere.
Fere sem dares por isso.
Se quiseres saber o que é ferir faz,
Sem saberes, com que te firam
E nessa altura vais-te aperceber.
Aí terás o mundo,
Mas não és o dono
Ouvirás, verás,
Sem seres ouvido
Nessa altura sentes
Que és ferido
E apercebes-te,
O quanto é doloroso ser ferido,
Para tão fácil ferir!

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei

RODOPIAR DA ESSÊNCIA


É preciso parar.
Parar em pleno,
Dominado pelo cansaço,
Prostrar-se perante ele
E esperar que novas forças nasçam.
Enquanto esperas,
Deixa-te levar...
Deixa-te envolver por todas as brisas
Talvez alguma te traga algo de bom.
Não lutes quando já não tens forças,
Porque tudo te escapa por entre os dedos
Desfeito em pedaços, em tiras
E serão tantas,
Que jamais conseguirás juntá-las.
Por vezes é necessário deixar tudo
Para começar tudo de novo.
Será um interregno, maior ou menor
Mas que dará coragem
Para depois de deixar tudo
Começar tudo de novo!

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei

domingo, 20 de junho de 2010

CONTRADIÇÃO


Sinto que não sinto,
O que devia sentir.
É um sentimento estranho de sentir.
Penso, perco-me, sinto-me vazia
Incapaz de qualquer sentimento de sentir!
Mas sinto que penso
Muitos pensamentos sentidos.
E para além disto, que sinto?
Vontade de sentir?
Não, não quero sentir o que sinto.
Quero apenas que saibam
Que sou, o quê não sei, mas sou.
Que sou, que penso, que sinto,
Sem saber que fazer
Para não sentir
O que sinto.

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei - Editora Caleidoscópio

segunda-feira, 14 de junho de 2010

IMAGEM...REFLEXO


Desdenhosamente ri-me para ela,
Crente ou talvez não, na capacidade visual da absorção.
Resposta imediata de retribuição
Conduzindo à fuga, para não ser absorvida.
É um reflexo apenas do que existe e que procura justificação.
Relatos, apenas relatos de uma existência.
Repouso eterno nas imagens paradas,
Regresso ao passado apenas por captação.
Angústia.
Sentimentos frustrados por não conseguir ultrapassar.
Imagens paradas que nos apelam ao movimento.
Saídas para tempos diferentes, em que as épocas não têm lugar.
Restos do que se pretende, apenas uma ínfima parte.
Vazios.
Espaço uniformizado mostrando, na ampliação, mudez defeituosa.
Enganadora visão que apenas faz recordar.
Esboço irreal, que anseia a perfeição...
Fotografia...

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei - Editora Caleidoscópio

sábado, 12 de junho de 2010

AO SABOR DO VENTO


Esconderijos de refinado odor a Natureza.
Grutas de paredes bordadas a gotas cintilantes.
Ar tão puro e fresco que magoa quando respirado.
Transparência opaca num sabor a terra.
Horizontes distantes, mas claros e nítidos, que nos aproximam.
Imagem fantástica e irreal, no que de real me rodeia.
Visão empolgante, do que é meu, sobre a Terra.
Eu confrontada com ela sem nos magoarmos.
Tudo o que de Natural existe se naturalizando em mim.
Viagem do pensamento.
Não terei obrigatoriamente de permanecer sempre dentro de mim.
Assim, coloco-me nos meus olhos e saio
Como um pássaro que se lança em voo aberto.
Há um limiar do qual me atiro sem medo,
Imaginação.
Sobrevoando assim oceanos e montanhas,
Liberto o meu físico da cola invisível que me agarra ao solo.
Liberdade, voo picado, em direcção à Luz.
Ressuscitar da Alma já incolor por falta de Sol.
Voo.
Sem asas, apenas pairando ao sabor do vento.
Nada me poderá deter porque, mesmo que pare, já voei.
Mas como posso pensar em parar com toda esta visão
Que me é permitido desfrutar.
Há que continuar... voar.
Subo.
Não há plágio de gaivota
Há sim necessidade de conhecimento da Beleza,
Da urgência do encontro entre mim e o que sou.
É aí que encontro.
É neste voo em que me lanço
Que poderei encontrar, libertando-me.
Voo até parada, mas ninguém me poderá alcançar.
Sei que na porta da gruta existe o limiar em que me apoio.
Olhando vejo-o lá em baixo e sinto-me segura
Aquele canto é meu, bem como os ares em que me esvoaço.
Sou eu que vou e não alguém que vai por mim.
Há a junção de mim comigo, plenamente.
Não há confusão no espírito, nem espírito confuso
Há sim, liberdade de Ser, dizendo.
Existe também cansaço de voo e consequentes paragens
Em nuvens suaves de abandono e reflexão.
Depósitos aéreos de energia sólida
Transformada em aragem, pela simples passagem.
Mutações constantes nos diferentes estados.
Apreensão sonora do evoluir no espaço.
Reparo em mim.
Sou eu.
Que estou onde quero sem no entanto chegar
Ao ponto que sei existir, para que eu exista.
É algo que se apresenta sem ocupar um espaço.
Propaga-se de um ponto.
Nasce, sem jamais ter deixado de Existir.
Fonte inesgotável, precisando de alimento.
Paro, mantendo-me no espaço ao sabor do vento.
Leveza natural protegida da longínqua gravidade.
Olhando para baixo, sinto a responsabilidade do que tenho.
Tenho à minha frente uma dura batalha.
Vou lutar com todas as forças para manter o que tenho.
Dom Natural que possuindo-o me faz Viver.
Capacidade de Voar...

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei - Editora Caleidoscópio

sexta-feira, 11 de junho de 2010

GOSTAR



Gosto.
De ter o gosto pelo gosto
De ter o gosto pelo riso
Gosto de gostar.
Gosto de ser simplesmente o que sou.
Gosto de procurar e de saber onde estou.
Gosto de encontrar.
Gosto de ter o que tenho
Que é o gosto pela procura do para Além.
Gosto de existir.
Gosto de pôr a questão se existo
Se serei como sou
Se saberei mesmo o que penso
E porque penso no que sou.
Gosto de pensar.
Gosto de me cansar a pensar.
Gosto do jogo da mente
Gosto de enrolar o pensamento
Gosto de gastar as palavras
Gosto de girar.
Gosto de repetir o que sinto
De sentir por dentro e por fora.
Gosto que uma ferida doa.
Gosto do prazer da cura.
Gosto de dar liberdade
Deixar fluir as palavras.
Correr pelas estradas, subir aos montes
Gosto de cantar.
Cantar canções de palavras
Palavras cantadas sem voz.
Gosto de canetas.
Gosto de tudo o que é louco
Perguntar o que louco quer dizer.
Sinto prazer quando sei e não se consegue explicar.
Gosto do fácil que é perceber
E que exista claridade
Para que se possa entender.
Gosto dos olhos.
Gosto de quem não tem olhos mas Vê.
Gosto de gostar de gostar
Porque simplesmente gosto
No simples acto de dar...

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei - Editora Caleidoscópio

RESPIRAR


Respiro.
Já alguém pensou, no que e como respira?
Pois se não, que o faça urgentemente.
Não faltando o que se chama de ar
Há possibilidade de pensar.
Penso.
Em que pensarei após respirar, perguntarão
Essas sábias cabeças, que por certo também o farão.
Como devem saber, penso que respirando posso pensar.
E vou fazê-lo.
Quero muito ar.
Quero imensidão.
Sinto:
Tão profundamente quão profundo é o meu pensamento.
Mas se ele só chega aos sítios mais longínquos dissolvido no ar,
Pensamento mais ar dão-me a sensibilidade.
Espaço.
Sinto-me flutuar.
Já imaginaram quanto pensamento e ar?
Sinto-me livre, com vontade de pensar,
Porque tenho o elemento primordial.
Mundo.
Tudo gira. Tudo é de tudo sem pertencer a.
Apenas estamos ligados pelo que me faz viver.
Ar.
Tenho-o não o posso perder de novo, há que respirar.
É isso.
É impossível perder o respirar, respirando.
Mas não.
Eu sei que é possível, por isso vou ter cuidado.
Não posso parar e tal como ele tenho de girar.
É a força do pensamento que me faz movimentar.
Penso.
Vivo.
Agarro-me à vida.
Respiro.

Dina Ventura - in: nas asas do vento encontrei - Editora Caleidoscópio

quarta-feira, 9 de junho de 2010

BALANÇO


Contar os dias é dificultar a vida.
Importa é que se sinta o que o passar significa.
Não interessa o que fica para trás,
Conta é o que o hoje mostra, com o passar do tempo.
Onde quer que estejamos há que sentir.
Depois, há que enfrentar os rios de palavras
Enquanto o são de verdade. Ou seja:
Declarações da alma através da escrita
Transformando-nos em meros leitos.
Enciclopédias de sabedoria simples
Que o passar do tempo nos sussurra.
Zumbidos leves de Saberes
Que devido à fragilidade humana se perdem.
Esboços torturados duma hipotética beleza rara.
Máximas inacabadas, não por falta de tempo mas sim de conhecimento.
Borbulhar de riachos com aspiração a rios, sem se encontrarem no que são
Riachos.
Águas pouco claras que ao longo do tempo se vão coando.
Olhares despreocupados nas margens lixentas disfarçadas pela verdura.
Despertar incerto numa manhã cinzenta, na foz já cansada.
Encontro de águas para um nascer de algo.
Mares.
Remoinhos violentos num bater de ondas.
Incontrolável dimensão de profundidade desconhecida.
Lugares desejados, secretos, de conhecimento reduzido.
Navios procurados nas profundezas remotas
Oscilando em abismos de paradeiros inacessíveis.
Ventos.
Agitando as bandeiras do que existirá
Enquanto a procura se torna dolorosa porque é procura.
Caminhando em esforço contra a força do vento
Esperando alcançar o que deveras procura.
Noite.
Aparecendo, reporta ao que já passou,
Totalizante espera resultados palpáveis do que poderá ser.
Oculta, sem se esconder, passeia-se às claras.
Sai sem discussão, dando prazo sem dar e promete voltar.
Encontro.
Já de saída cruza-se com o Sol.
Olham-se de costas seguindo direcções opostas.
Idos deixam-nos à mercê do que são:
Tempo.
Esperas inúteis para os conhecer,
Encontros solenes de admiração e espanto.
Nada nos priva da sua companhia mesmo não estando connosco.
Trazem-nos o que são, pedindo em troca o que precisam:
Análise.
Porquê de existirem por si e sem nós.
Espaço.
Aberto sem no entanto nos ser permitido.
Seguem-se as vias da dedução e da lógica,
Encontram-se resultados questionando-os de dúvidas.
Incontroláveis procuras neste tempo que existe em nós.
Síntese.
Dia – Noite – Tempo

Dina Ventura

segunda-feira, 7 de junho de 2010

LÁGRIMAS DA ALMA


Não tenho vergonha de dizer.
Escrevo estas palavras com as lágrimas
A rolarem pelas faces
Porquê?
Nem eu sei ao certo,
Pois é um mar de emoções
De causas possíveis
E que fazem de mim
O mais frágil dos seres neste momento.
Não entendo porque as pessoas se maltratam,
(Ou melhor eu entendo, mas a minha alma não
e faz-me chorar)
Não enxergam o seu interior
Porque têm, para sobressaírem
Ou se desculparem, agredir os outros.
Não entendo porque se todos dizem
Defender o espírito e as palavras
Que embalam a alma
Porque depois nada disso fazem.
Porque não são sinceras,
Porque fogem de si mesmas
Para se apresentarem aos outros como perfeitas.
Não sou perfeita, sou muito imperfeita
Mas sei que não desejo mal a ninguém
Que não utilizo ninguém
Que não uso nenhum ser, par ame favorecer.
E que tento da melhor forma possível ajudar!
Será que nessa ajuda aos outros está alguma mentira?
Estará oculta, alguma intenção menos saudável?
Uma necessidade de através da ajuda dada, ser aplaudida.
Não sinto isso…não quero aplausos para a minha alma
Nem para a minha pessoa, que a possui,
Quero, que cada um se respeite, para poder respeitar os outros.
Existem dias de cansaço, hoje é um deles.
Estou cansada, de acreditar no inacreditável
E de no inacreditável me apoiar, para conseguir acreditar
Mas hoje, nada me apetece, a não ser chorar
Para limpar, talvez, o lixo onde tive de entrar
Para conseguir ver de perto o lixo que me rodeia.
Hoje, nada faz sentido se deixar de sentir
E ao Sentir choro, por mim e por todos.
Penso que as lágrimas que não me deixam ver as letras
Serão o que a minha alma estava a precisar
Para limpa e sozinha pode descansar.
Não sou heroína, não sou nada, nem ninguém
E neste momento estou cansada
Cansada, deste mundo que é uma luta,
Que não pára, porque o que o impede de melhorar
São as pessoas, que dizem que o querem mudar.
Estou farta de palavras, de tentativas de bem falar,
Mas sei que sem elas também não consigo explicar.
Por isso neste momento no meio delas só me resta chorar.

Dina Ventura 14h – Dia 7 de Junho de 2010

terça-feira, 1 de junho de 2010

CRIANÇA


Óleo s/tela com aplicações - Crianças - Dina Ventura - 2010

“...as crianças são os seres mais incríveis porque não têm maldade, são puras...”
Gostava de vos mostrar algo
Que na altura não consegui desenvolver,
Não por não saber,
Mas por não ter sido a altura ideal
E que agora penso ser capaz.
Não lembro o que pensava quando era ainda menina.
Não lembro datas... apenas lembranças ténues...
Não me lembro de ter vivido pequena,
Daí a necessidade de manter sempre
Um pouco da criança que não fui.
Aos poucos vou lembrando,
Não de mim mas do que eu senti.
O que de mais nítido guardo na lembrança são cheiros...
Cheiros que nunca esqueço e que me agarram à infância.
Recordo o cheiro do pão quente, da lenha queimada,
Transformando-se aos poucos em cinza incandescente,
Levando ao rubro as pedras próximas daquele semicírculo.
O estalido de protesto de uma ramada ainda verde,
Para dizer às chamas que ainda não estava preparada.
O cheiro acre e adocicado da massa levedada,
Que aos poucos rasgava o aconchegante farelo.
Lá fora o vento forte levava até mim o cheiro da terra molhada!
E, lá longe, aquela barreira que me chamava...
Era um mundo de cheiro e vida onde sonhar era tão simples!
Apanhava um pouco daquela terra sedosa,
Apertava-a carinhosamente e deixava-a escorregar por entre os dedos.
O barro que sobrava nas pequenas mãos era tão moldável...
Uma bola, mais um retoque e o sonho começava.
Do nada um Mundo se formava.
Tudo à minha volta tinha vida e eu criava!
Não sentia o tempo passar.
Apenas gostava daquele lugar e pensava...
Que tudo podia ser de barro, que o seu cheiro era intenso e o sabor?
Como seria? A que sabia? Só teria de o provar!
Mas se eu gostava tanto daquele lugar. Existiriam outros e como seriam?
Era fácil imaginar.
Olhando ao longe, para além daquele monte,
Para mim o dorso de um cavalo a pastar, eu podia imaginar:
Cidades, casas, ruas...era tão fácil, bastava-me olhar
E lá estavam, debaixo daquele tapete de ervas verdes
Tantas coisas que apenas os meus olhos contemplavam.
O movimento era enorme.
Muita gente, embora parecida comigo, parecia não ver.
Seria que também me viam? Nunca cheguei a descobrir!
Após tanta observação o cansaço chegava
E para deixar de ver aquela gente bastava pestanejar!
E outro cheiro me atraía, o da água fresca que brotava daquela bica.
Era uma fonte, que sendo pública, só a mim pertencia.
Porquê? Ninguém lhe ligava, passava despercebida.
Mas para mim era muito importante.
Corria até ela, sentava-me na beirinha e brincava com a água.
Depois de joelhos e inclinando a cabeça
Deixava que me molhasse a cara acariciada.
Estremecia, pensando ouvir passos...mas não
Era uma pinha que caíra. Corria ao seu encontro
E lá ficava sem saber o que fazer. Que poderia fazer com ela?
Pegava-lhe, ficava muito quieta e lá continuava a sonhar!
Sentia a imensidão a rodear-me, eu era pequena mas sentia
Que algo me ligava a ela. Seria o que eu pensava?
Se eu pensasse muito, tanto quanto conseguisse ver
E depois cada um dos pensamentos desenvolver
Como sendo imensos,
Conseguiria aproximar-me mais do que me rodeava,
Ou seja, teria de desenvolver em profundidade
Cada pormenor das coisas e, só olhando para todas elas
Eu conseguiria aproximar-me do que me rodeava.
Era muito difícil e precisava de muito trabalho,
Porque ao mínimo descuido lá se escaparia um pormenor importante!
Pensava como seria um sábio, que para mim era quem tudo sabia.
Como é que eu seria capaz? Nunca seria...e chorava.
Mas pelo menos um bocadinho sábio eu podia tentar.
E lá começava.
Olhava para tudo o que me cercava,
Tentando entender o Porquê das coisas.
E o porquê de serem o que eram e não outras!
Ou será que seriam outras e não as que eu via?
E lá recomeçava tudo de novo,
Com o máximo de hipóteses que eu conseguia,
Até esgotar todas as probabilidades.
Sempre me encontrava numa encruzilhada,
Num ter a certeza sem certezas!
Quanto mais perto parecia estar dum resultado absoluto,
Mais depressa concluía que ainda tinha muito e muito a concluir,
Acabando sempre na Procura...

Dina Ventura (in: nas asas do vento encontrei