sexta-feira, 8 de maio de 2009

ERRAR É NÃO ASSUMIR O ERRO

Quieta e silenciosa tento escutar o pensamento mas ele nada me diz. Sinto-o parado, adormecido, Não sei o que pensar. Mau sinal para começo de dia, ou sinal para um dia diferente. Não sei. Agitou-se e apenas me deu um mote: Agostinho da Silva. Tento recordar muitas das suas palavras e elas misturam-se num emaranhado de sensações que me provocam um sentimento de incapacidade, pois só consigo reconstituir, duplicidade. Não suporto não relembrar o que diz. Sem vergonha ou medo recorro a “Vida Conversável”:

“ (…) E isso imediatamente me levou à ideia de que o português é um ser complexo, do qual, para sermos simples, podemos dizer que é pelo menos um ser duplo, aplicando a palavra, que em português tem má nota, duplicidade ao nível de muito bom. Podemos dizer que uma das virtudes do português é a duplicidade, que geralmente é apontada como um defeito em toda a gente, porque se relaciona com a palavra hipócrita. Coisa curiosa também, porque em grego hipócrita quer dizer apenas o actor. O actor que não era sinceramente ele, pois claro, que era um hipócrita. Assim um hipócrita é um actor, que é actor na vida e que tomou um sentido completamente diferente depois, quando a vida começou a ser alguma coisa, muito mais atenta ao ganho, muito mais atenta à conquista de um objectivo do que ao desenvolvimento da personalidade. Se esta se pudesse desenvolver livremente, nós teríamos o actor na sua plenitude como o foi, por exemplo, Fernando Pessoa. Podíamos dizer que Fernando Pessoa é o hipócrita por excelência. Não sendo ele na sua vida actor, porque se o fosse, teria tido bons empregos, teria talvez entrado na política, teria talvez sido ministro e não foi nada disso, porque não era hipócrita, ele era apenas actor para fora, para dentro nunca o foi, isto é, (…), ele nunca cometeu o pecado contra o Espírito Santo, nunca foi ele próprio actor, ele era as personagens, mas não o actor em si mesmo” Agostinho da Silva


Pois é e só recorrendo a um filósofo que muito admiro, consegui dizer o que me vai na alma. Abriu um pouco de mim e agora duma forma muito primária, recupero as forças com algo de meu, mas reduzindo-me à minha insignificância perante tanta sabedoria.

“…nunca pensei que as coisas fossem assim...”

Frase que bem olhada mais me faz pensar. Quando se parte para algo tem de se ter em consideração as várias hipóteses não descorando, bem pelo contrário, as que se nos apresentam como descabidas.

Quando tal acontece, há que repensar e tentar reparar até com o mesmo método, mas já adequado à situação.

Todos temos um pouco de derrotistas. Mas admiro muito, aqueles que conseguem provar, demonstrar uma maior força vencendo. É assim que vejo. Imaginemos. A praia.

Um pouco à frente está uma criança perfeitamente convencida ter escolhido o local ideal para a sua construção. Trabalha com desenvoltura na edificação do seu lindo e tão idealizado castelo, mas esqueceu um pormenor tão importante: a maré vai subir e de certeza a água vai lá chegar. Que pena. Decidi então, de mansinho e um pouco a medo, quebrar o encantamento e dizer-lhe o que pensava. Que das minhas passagens por aquela praia tinha notado que a água chegava ali e ao passar levava consigo tudo ou quase tudo...

Olhando-me com um misto de surpresa e compreensão, não me deixou terminar e disse apenas:

- Mas agora não está aqui!

Continuou no seu trabalho, mandando-me de vez em quando um olhar como que para dizer que apesar de tudo sabia que eu estava ali, mas não “sabia” sobre o seu campo.

Fiquei apenas a olhá-lo, afastando-me um pouco para não perturbar a concentração do menino e decidi não falar mais, continuando a pensar o que iria naquela cabeça.

Permaneci ali bem quieta. Sentei-me e apoiando o queixo nos joelhos, fiquei a olhar, tentando imaginar o aspecto arquitectónico daquele castelo. Era realmente enorme tendo em consideração toda a área demarcada para a sua construção. Como iria conseguir? Sozinho?

Não me restava senão aguardar, continuando com os meus pensamentos. Havia várias hipóteses:

1- Que por milagre a maré não subisse, o que iria contra tudo o que era hábito. Mas nunca se sabe e assim o menino teria todo o tempo para acabar;

2- Que chamasse outros meninos para o ajudarem a acabar antes da maré subir. Mas aí tínhamos vários problemas: será que os outros tinham a mesma visão? Será que corresponderiam ao que o menino desejava? Ou será que o achariam pretensioso na sua ambição talvez por não pensarem como ele?

3- Que não se importava que a maré subisse, mesmo derrubando o que já tinha feito. Faria apenas até dar e depois iria embora e não ligava mais àquele castelo, pensando construir outro, noutro dia, noutro local qualquer.

4- Que o menino choraria porque a água era má, tinha realmente destruído o seu castelo e que a culpa era minha porque tinha sido eu, a adulta, a lembrar à água que o fosse destruir.

5- Que perante a destruição do seu sonho, os seus sonhos vingariam porque apesar da água lhe ter destruído aquele castelo que se via, não conseguiria destruir a imagem desse mesmo castelo dentro da sua cabeça. Tinha pena que os outros meninos não o vissem mas, talvez o conseguisse reconstruir noutro sítio ou naquele mesmo, mas noutra altura.

Despertei das minhas conjecturas, faltando-me a quinta, com a água molhando-me os pés. Lá se foi o castelo. Olhei o menino e constatei que o estado em que estava não fazia parte das hipóteses que eu havia formulado. O menino estava triste, estava meio perdido, de braços caídos, olhando apenas para a água e para os restos do castelo.

Aproximei-me mas nem deu pela minha presença. Recuei. Não quis contrariar mais o menino. Fiquei preocupada com ele. Olhei-o e vi que me lançou um leve sorriso como que para me descansar. Entendi, talvez aquela revolta e desanimo se devessem ao facto de, apesar de saber o que se iria passar, o menino querer acreditar que daquela vez iria ser diferente.

À medida que me afastava martelava-me na cabeça a hipótese que mais se adaptaria à da reacção do menino.

5- Que perante a destruição do seu sonho, os seus sonhos vingariam porque apesar da água lhe ter destruído aquele castelo que se via, não conseguiria destruir a imagem desse mesmo castelo dentro da sua cabeça. Tinha pena que os outros meninos não o vissem mas, talvez o conseguisse reconstruir noutro sítio ou naquele mesmo, mas noutra altura.

Não resisti à tentação de ver o que iria fazer e voltei àquela praia no dia seguinte. Fiquei contente, porque nas minhas hipóteses nem tudo tinha falhado, lá estava o menino novamente. Desta vez pareceu-me, apesar de o ver na mesma direcção, que estava um pouco mais afastado da água.

A areia era um pouco mais seca dificultando a tarefa ao menino que a ultrapassava molhando a areia com a água, que ia buscar num vaivém constante. Aproximei-me. Olhou-me e vi aquela tristeza lá no fundo, mas já ultrapassada por um certo brilho no olhar e com ar sério e sábio disse-me:

- Sabes...não faz mal, vou voltar a fazer de novo e desta vez ainda é mais bonito, pensei que foi melhor assim - e continuou sempre a falar exemplificando-me o que estava a dizer.

Reflecti. Tinha sido válida a invasão da água. O menino recomeçou, ponderando, ainda com mais coragem, ideias renovadas e um pouco mais cuidadoso. Voltei sempre, tentando ganhar aos poucos a confiança do menino, esforçando-me para que me deixasse ser sua amiga.

“Nem tudo é o que parece”

Enquanto procuro respostas

No regresso ao meu hangar

Voo nas asas do vento

Sem as conseguir encontrar.

Correm velozes e matreiras

Confundindo-me a memória

Disfarçam-se de novas ligeiras

Fugindo do que será história.

Entram fugazes e deslizam

Brincando às escondidas comigo

Ora se esquecem ora me lembram

Apenas fixo o que consigo.

E neste vaivém desmedido

Tento desbravar a mente

Encontro sempre algo perdido

Esquecendo o que está na frente.

E assim brincam comigo

As respostas aos porquês

E a mais uma vez me obrigo

A começar tudo outra vez!

(in: nas asas do vento encontrei)