segunda-feira, 19 de março de 2012

CUMPLICIDADE


Quieta e silenciosa
Tento escutar o pensamento
Mas ele nada me diz.
Sinto-o parado, adormecido,
Não sei o que pensar.
Mau sinal para começo de dia,
Ou sinal para um dia diferente.
Não sei.
Agitou-se e apenas me deu um mote:
Agostinho da Silva.
Tento recordar muitas das suas palavras
E elas misturam-se
Num emaranhado de sensações
Que me provocam
Um sentimento de incapacidade,
Pois só consigo reconstituir,
Duplicidade.
Não suporto não relembrar o que diz.
Sem vergonha recorro a “Vida Conversável”:
“ (…) E isso imediatamente me levou à ideia de que o português é um ser complexo, do qual, para sermos simples, podemos dizer que é pelo menos um ser duplo, aplicando a palavra, que em português tem má nota, duplicidade ao nível de muito bom. Podemos dizer que uma das virtudes do português é a duplicidade, que geralmente é apontada como um defeito em toda a gente, porque se relaciona com a palavra hipócrita. Coisa curiosa também, porque em grego hipócrita quer dizer apenas o ator. O ator que não era sinceramente ele, pois claro, que era um hipócrita. Assim um hipócrita é um ator, que é ator na vida e que tomou um sentido completamente diferente depois, quando a vida começou a ser alguma coisa, muito mais atenta ao ganho, muito mais atenta à conquista de um objetivo do que ao desenvolvimento da personalidade. Se esta se pudesse desenvolver livremente, nós teríamos o ator na sua plenitude como o foi, por exemplo, Fernando Pessoa. Podíamos dizer que Fernando Pessoa é o hipócrita por excelência. Não sendo ele na sua vida ator, porque se o fosse, teria tido bons empregos, teria talvez entrado na política, teria talvez sido ministro e não foi nada disso, porque não era hipócrita, ele era apenas ator para fora, para dentro nunca o foi, isto é, (…), ele nunca cometeu o pecado contra o Espírito Santo, nunca foi ele próprio ator, ele era as personagens, mas não o ator em si mesmo” Agostinho da Silva
Pois é
E só recorrendo a um filósofo
Grande Mestre
Que tento sempre escutar
Que muito admiro,
Consegui “dizer” o que me ía na alma.
Atriz, duplicidade ou quem sabe
Cumplicidade.

Dina Ventura - "Only me"