terça-feira, 27 de abril de 2010

O FILME


Algo se estava a passar.
Era como se uma força centrípeta insistisse em empurrar-me
Para um ponto que se chamava passado.
Não oferecia muita resistência, embora não percebesse qual o objectivo.
Algo se passou.
Dei por mim, num lugar que não me era totalmente estranho,
Mas que naquele momento pareceu-me um pouco distante e onde me sentia deslocada.
Não conseguia reagir.
Tudo se processava fora do meu alcance, do meu entendimento,
Surgindo-me apenas uma explicação lógica para tudo aquilo:
Estava possivelmente numa das alturas em que confundia real e imaginário.
Mas nenhuma das explicações me parecia correcta.
Eliminadas, uma a uma, cheguei à conclusão que estava apenas
A fazer o balanço de trinta e cinco anos,
Num local que não sabia definir de presente, passado ou futuro.
Em catadupa, perseguindo-se, atropelando-se, as questões surgiam
Dificultando ainda mais aquela árdua tarefa de retrocesso.
Porquê nesta altura? Por onde começar?
Era como um puzzle de milhares de peças, completamente misturadas,
Que ansiavam que alguém, cheio de coragem e paciência
As colocasse no lugar certo.
Que difícil tarefa mesmo para um profissional.
As referências confundiam-se esbatidas no tempo, esquecidas,
Pensando até, serem obsoletas. Tinha de começar por algo.
Tentei por ponto final na minha confusão e esquecer, por momentos, tudo aquilo.
Decidi descansar, deixar que as coisas acontecessem ao acaso.
Estava em casa há já algum tempo,
Tentando que alguma coisa diferente acontecesse,
Mas vendo que tudo se mantinha na mesma,
Resolvi-me pelo movimento exterior. Saí.
O meu cansaço enfastiou-se ainda mais. Tudo se mantinha igual.
Nada, nem uma leve brisa de novidade!
Tento recriar, através de escrita enrolada, o enrolo em que me encontrava.
É desgastante sentir um não se sabe o quê, por mais que se tente explicar.
Invejo os momentos de um filme em que me sinto lá.
É um espaço de tempo curto mas chego a pensar, ou melhor,
A sentir que é possível estar-se. Mas tudo não passa de ficção.
A realidade do nosso verdadeiro filme é mais difícil.
Mas não impossível!
Porque não utilizar a imaginação, para atingir de forma mais real
O filme que nos pertence e onde nos propomos desempenhar,
Da melhor forma possível o nosso papel.
Cabe-nos algum de certeza e por menor que seja,
Nunca será o de espectadores passivos do nosso próprio desempenho.
Meros espectadores para melhor apreciarmos, até devemos ou podemos ser,
Mas de uma forma activa.
Passaríamos à fase do pensar sobre a nossa representação, o nosso desempenho.
Aí teríamos de conseguir o desdobramento, o que não sendo fácil,
Seria, no entanto, a mostra de toda uma vida
Cheia de Vida e de papéis desempenhados de Verdade.

Dina Ventura in: nas asas do vento encontrei