quarta-feira, 29 de julho de 2009

EPISÓDIOS III

“…nunca pensei que as coisas fossem assim...”
Frase que bem olhada mais me faz pensar. Quando se parte para algo tem de se ter em consideração as várias hipóteses não descorando, bem pelo contrário, as que se nos apresentam como descabidas.
Quando tal acontece, há que repensar e tentar reparar até com o mesmo método, mas já adequado à situação.
Todos temos um pouco de derrotistas. Mas admiro muito, aqueles que conseguem provar, demonstrar uma maior força vencendo. É assim que vejo. Imaginemos. A praia.
Um pouco à frente está uma criança perfeitamente convencida ter escolhido o local ideal para a sua construção. Trabalha com desenvoltura na edificação do seu lindo e tão idealizado castelo, mas esqueceu um pormenor tão importante: a maré vai subir e de certeza a água vai lá chegar. Que pena. Decidi então, de mansinho e um pouco a medo, quebrar o encantamento e dizer-lhe o que pensava. Que das minhas passagens por aquela praia tinha notado que a água chegava ali e ao passar levava consigo tudo ou quase tudo...
Olhando-me com um misto de surpresa e compreensão, não me deixou terminar e disse apenas:
- Mas agora não está aqui!
Continuou no seu trabalho, mandando-me de vez em quando um olhar como que para dizer que apesar de tudo sabia que eu estava ali, mas não “sabia” sobre o seu campo.
Fiquei apenas a olhá-lo, afastando-me um pouco para não perturbar a concentração do menino e decidi não falar mais, continuando a pensar o que iria naquela cabeça.
Permaneci ali bem quieta. Sentei-me e apoiando o queixo nos joelhos, fiquei a olhar, tentando imaginar o aspecto arquitectónico daquele castelo. Era realmente enorme tendo em consideração toda a área demarcada para a sua construção. Como iria conseguir? Sozinho?
Não me restava senão aguardar, continuando com os meus pensamentos. Havia várias hipóteses:
1- Que por milagre a maré não subisse, o que iria contra tudo o que era hábito. Mas nunca se sabe e assim o menino teria todo o tempo para acabar;
2- Que chamasse outros meninos para o ajudarem a acabar antes da maré subir. Mas aí tínhamos vários problemas: será que os outros tinham a mesma visão? Será que corresponderiam ao que o menino desejava? Ou será que o achariam pretensioso na sua ambição talvez por não pensarem como ele?
3- Que não se importava que a maré subisse, mesmo derrubando o que já tinha feito. Faria apenas até dar e depois iria embora e não ligava mais àquele castelo, pensando construir outro, noutro dia, noutro local qualquer.
4- Que o menino choraria porque a água era má, tinha realmente destruído o seu castelo e que a culpa era minha porque tinha sido eu, a adulta, a lembrar à água que o fosse destruir.
5- Que perante a destruição do seu sonho, os seus sonhos vingariam porque apesar da água lhe ter destruído aquele castelo que se via, não conseguiria destruir a imagem desse mesmo castelo dentro da sua cabeça. Tinha pena que os outros meninos não o vissem mas, talvez o conseguisse reconstruir noutro sítio ou naquele mesmo, mas noutra altura.
Despertei das minhas conjecturas, faltando-me a quinta, com a água molhando-me os pés. Lá se foi o castelo. Olhei o menino e constatei que o estado em que estava não fazia parte das hipóteses que eu havia formulado. O menino estava triste, estava meio perdido, de braços caídos, olhando apenas para a água e para os restos do castelo.
Aproximei-me mas nem deu pela minha presença. Recuei. Não quis contrariar mais o menino. Fiquei preocupada com ele. Olhei-o e vi que me lançou um leve sorriso como que para me descansar. Entendi, talvez aquela revolta e desanimo se devessem ao facto de, apesar de saber o que se iria passar, o menino querer acreditar que daquela vez iria ser diferente.
À medida que me afastava martelava-me na cabeça a hipótese que mais se adaptaria à da reacção do menino.
5- Que perante a destruição do seu sonho, os seus sonhos vingariam porque apesar da água lhe ter destruído aquele castelo que se via, não conseguiria destruir a imagem desse mesmo castelo dentro da sua cabeça. Tinha pena que os outros meninos não o vissem mas, talvez o conseguisse reconstruir noutro sítio ou naquele mesmo, mas noutra altura.
Não resisti à tentação de ver o que iria fazer e voltei àquela praia no dia seguinte. Fiquei contente, porque nas minhas hipóteses nem tudo tinha falhado, lá estava o menino novamente. Desta vez pareceu-me, apesar de o ver na mesma direcção, que estava um pouco mais afastado da água.
A areia era um pouco mais seca dificultando a tarefa ao menino que a ultrapassava molhando a areia com a água, que ia buscar num vaivém constante. Aproximei-me. Olhou-me e vi aquela tristeza lá no fundo, mas já ultrapassada por um certo brilho no olhar e com ar sério e sábio disse-me:
- Sabes...não faz mal, vou voltar a fazer de novo e desta vez ainda é mais bonito, pensei que foi melhor assim - e continuou sempre a falar exemplificando-me o que estava a dizer.
Reflecti. Tinha sido válida a invasão da água. O menino recomeçou, ponderando, ainda com mais coragem, ideias renovadas e um pouco mais cuidadoso. Voltei sempre, tentando ganhar aos poucos a confiança do menino, esforçando-me para que me deixasse ser sua amiga.
(in: nas asas do vento encontrei orixá - Dina Ventura)

EPISÓDIOS II

Algo se estava a passar.
Era como se uma força centrípeta insistisse em empurrar-me para um ponto que se chamava passado. Não oferecia muita resistência, embora não percebesse qual o objectivo.
Algo se passou.
Dei por mim, num lugar que não me era totalmente estranho, mas que naquele momento me pareceu um pouco distante e onde me sentia deslocada. Não conseguia reagir.
Tudo se processava fora do meu alcance, do meu entendimento, surgindo-me apenas uma explicação lógica para tudo aquilo: estava possivelmente numa das alturas em que confundia real e imaginário.
Mas nenhuma das explicações me parecia correcta. Eliminada uma a uma, cheguei à conclusão que apenas estava a fazer o balanço de trinta e cinco anos, num local que não sabia definir de presente, passado ou futuro.
Em catadupa, perseguindo-se, atropelando-se, as questões surgiam dificultando ainda mais aquela árdua tarefa de retrocesso. Porquê nesta altura? Por onde começar?
Era como um puzzle de milhares de peças, completamente misturadas, que ansiavam que alguém, cheio de coragem e paciência as colocasse no lugar certo.
Que difícil tarefa mesmo para um profissional. As referências confundiam-se esbatidas no tempo esquecidas, pensando até serem obsoletas. Tinha de começar por algo. Tentei por ponto final na minha confusão e esquecer, por momentos, tudo aquilo.
Decidi descansar, deixar que as coisas acontecessem ao acaso.
Estava em casa há já algum tempo, tentando que alguma coisa diferente acontecesse, mas vendo que tudo se mantinha na mesma, resolvi-me pelo movimento exterior. Saí.
O meu cansaço enfastiou-se ainda mais. Tudo se mantinha igual. Nada, nem uma leve brisa de novidade! Tento recriar, através de escrita enrolada, o enrolo em que me encontrava. É desgastante sentir um não se sabe o quê, por mais que se tente explicar.
Invejo os momentos de um filme em que me sinto lá. É um espaço de tempo curto mas chego a pensar ou melhor, a sentir que é possível estar-se. Mas tudo não passa de ficção. A realidade do nosso verdadeiro filme é mais difícil, mas não impossível!
Porque não utilizar a imaginação, para atingir de forma mais real o filme que nos pertence e onde nos propomos desempenhar da melhor forma possível o nosso papel. Cabe-nos algum de certeza e por menor que seja, nunca será o de espectadores passivos do nosso próprio desempenho. Meros espectadores para melhor apreciarmos, até devemos ser, mas de uma forma activa. Passaríamos à fase do pensar sobre a nossa representação, o nosso desempenho. Aí teríamos de conseguir o desdobramento, o que não sendo fácil, seria no entanto a mostra de toda uma vida cheia de Vida e de papéis desempenhados de Verdade.
(in nas asas do vento encontrei orixá - Dina Ventura)

sexta-feira, 24 de julho de 2009

EPISÓDIOS I


Lápis: by dv

Não sei ao certo quantos já foram feitos. O que realmente sei é que vou voltar a fazer não sendo provavelmente a última vez.
Já lhe chamei balanço, mas desta vez será ponto da situação.
Lendo ou relendo alguns autores, sinto vontade de o ser, não por mera vontade física e material, mas sim por necessidade interior.
Apesar de haver momentos em que não consigo reflexões profundas, tento pelo menos não deixar escapar a possibilidade de me questionar sobre a razão de tal letargia.
Já escrevi sobre tantas coisas. Foram postas em causa tantas outras, que chego a pensar que o stock de palavras se esgotou.
A produção é escassa para a procura a que me obrigo. Não me posso acomodar a essa ideia, seria uma forma muito fácil de nada fazer.
Mas tal como tudo na vida, é um pouco doloroso começar...recomeçar.
As coisas não são tão lineares como já o foram. Há uma certa dificuldade em transmitir o que pretendo, que vendo bem não sei ao certo o que será.
Ainda não consegui engrenar, não cheguei àquele ponto de paragem do olhar para o exterior. Rodar o olhar 180 graus e recomeçar a ver!
É tudo uma questão de concentração. É um pouco caricato, mas para o conseguir tenho de deixar de pensar e apenas começar a sentir o pensamento. Há um desdobramento, passando a ser uma mera leitora do meu pensamento.
Parafraseando-me “só sinto que não sinto, vontade de sentir o que sinto”.
Chego à conclusão que não será isso neste momento. Gostava de sentir, construir algo de novo, uma ideia inovadora.
Enquanto descanso a caneta entre os dedos o olhar parou!
Algo despertou a minha atenção. Mas como pode algo tão simples...o que importa é que aconteceu. E lá estou eu...onde?
Num campo, ou melhor, no campo assim me parece. Um pequeno carreiro, dividindo uma parcela de terreno. Dum lado, muito verde, refrescando o ar quente com aquele cheiro intenso que caracteriza o limoeiro, contrastando com o amarelo dos limões bem maduros. Do outro, apenas o restolho de algo que terá sido noutra estação, bem viçoso e fresco.
Nem a água que a caleira deixa escapar chegou para refrescar. Apenas alguns malmequeres selvagens conseguem sobreviver àquele calor intenso, provocando no restolho a sensação de miragem. Tudo se torna um pouco irreal.
Avanço um pouco, evitando pisar uma aparentemente frágil flor, sentindo sob os meus pés a dureza daqueles restos que mesmo assim, atapetam um pouco aquele solo ressequido.
É estranho. Dum lado aquele fresco intenso dos limoeiros salpicados de amarelo, do outro bem perto, um terreno tão agreste, tão desértico, tendo como único objectivo o receber em directo aqueles raios, que mais parecem fogo, na esperança de que uma nova sementeira o venha refrescar.
Mas algo me fez parar. De susto talvez não, mas de surpresa. Afinal aquele solo servia de abrigo para alguém.
Deliciosamente ali estavam. Uma família, deduzi, reluzentes nos seus casacos novos, jazendo os antigos a seu lado. Eram três. Duas enormes ladeando uma mais pequena de olhar vivo como que para a protegeram.
Mostravam um contentamento letárgico sob aquele sol escaldante. Encontrava-me a um passo delas. Um arrepio percorreu-me, imobilizando-me. Senti os olhos delas cravados em mim, seria possível? Talvez não. De repente, como que despertas de um sono profundo, lançaram-se para o lado oposto ao que me encontrava, até que as perdesse de vista.
Num sussurro como se falasse para alguém que estava bem perto de mim apenas consegui articular em forma de suspiro, permanecendo estática:
-São...eram...cobras de Verão...
E num gesto calmo sentei-me no restolho áspero e quente, para recuperar do susto!
(in: nas asas do vento encontrei orixá - Dina Ventura)

CIÊNCIA DE SER

Publicado em 29 de Abril de 2009.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

SORRISO INTERIOR

DUAS METADES
Óleo bv: Nanduxa

Há a contenção. Portanto algo guardado, intimo, não revelado!

Será? Independente de que tipo for, não deixa de o ser.

Basta-lhe ganhar, ou simplesmente retirar-se da luta

E esconder-se em sim mesmo, num acto de recato.

Timidez, alegria ou tristeza contidos no sentimento de auto desafio.

E na sua definição, se a tiver, contém muitas variantes:

Agradáveis, leves, irónicas ou desprezos, quem sabe inconstantes.

Não faz ruído, talvez nem o mundo nem se aperceba

Do ligeiro alterar de lábios, ou nem consiga decifrar

O que a íris não quer, mas é impossível e deixa passar.

Está dentro sim, mas transmite, repercute pois é um sinal,

Diz respeito à alma ou natureza moral.

A consciência íntima é um mar, que se encontra circundado

Por terras, ou circunscrito por continentes, mas

Ele é o próprio e faz, ou não, oposição a estrangeiros.

Se o sorriso interior projecta o sentir a perda, o reclamar

Ou mesmo o comover, vai ter de verter ou derramar as gotas de água

E quem sabe, chorar de alegria ou da dor do cicatrizar!

Será? Como a videira que ao ser podada deixa escapar a seiva

Por ter sido golpeada, ela chora ou sorri?

Ninguém sabe traduzir.

Depende do que se interpreta e o que cada alma sabe de si!

É uma questão de cultura interna, que tal como noutras,

O sorriso passa a choro declarado, através do cantar e dançar

Ao som duma viola. Quem sabe pedir, de forma ardilosa,

Escondendo o verdadeiro pedido.

Chorar misérias, ou pedir algo e por algo usar de lérias.

Será secretamente lastimar-se por uma facto irremediável?

Ou um sentido pranto, de dor e arrependimento

Bem dentro, bem fundo, reprimido e que sustém a acção.

Proibir-se, conter-se, será uma forma de morrer ou vencer.

Que o sorriso se manifeste, no e do interior, assim saberemos.

Dina Ventura 15 de Julho de 2009


terça-feira, 14 de julho de 2009

ENCANTO

by: Romanelly



Segredo que não é conhecido

Mas se revela no enlevo da alma.

Singelo, harmonioso e contido.

Cofre secreto donde nada se espera,

Desliza apenas no sonho, com calma

Suave. É a brisa que apenas embala

E sem razão reflecte as marés.

Vão e vem, hipnotizando as estrelas

Que caem na água e transformam,

O mar em céu e me fazem voar.

O céu não as perde, só as empresta

Para as águas opacas poderem brilhar!

Para que nas águas eu possa colhê-las

Dar-lhe vida e tas entregar.

Num simples olhar, nem tocar é preciso

Na luz o abraço, nas estrelas o sorriso.

Reflecte-se na água o sentir eterno

Da figura não humana do sentir

Retorna-se ao mais profundo do ser

À essência de nós, que nos faz abrir

Os caminhos do Universo e Viver

O encanto de mim, do mundo a meus pés,

No sol o abraço, nas estrelas o sorriso

Que sem razão reflecte as marés!

Dina Ventura 9 de Julho de 2009

quinta-feira, 9 de julho de 2009

REPETIÇÃO

É algo ambíguo e com bastante duplicidade.

É um acto ou efeito. Ao reiterar-se a mesma ideia pode ser cansativo.

Ao repetir a mesma palavra pode ser um erro.

Mas por outro lado, uma figura de retórica com intenção formada:

Repetir a mesma coisa, a mesma ideia, palavra ou acto

Dando mais energia e ênfase ao que se pretende, ou subentende.

E é nessa palavra que me apoio para receber uma lição particular…

Para completar as lições que tenho de aprender e saber,

Estudar e compreender para, se necessário, as repetir noutro circuito.

Também tal qual o espelho repete a imagem das coisas e reflecte.

Como o vale que repete, repercutindo o som à origem

Ou que promove o seu reaparecimento, no mesmo ou noutro lugar.

Será que se torna cansativo? Sim acho que muitas vezes o será!

Então que fazer?

Como não deixar que a fadiga se instale?

Que o espírito não se canse?

Tal como o sol fatiga a vista…há que descansar!

Para ganhar forças, criar espaços, fazer esquecer…

Para depois recomeçar…

7 de Julho de 2009

VANGLÓRIA DO SER - CALIBRE

Podem não existir obrigações a serem vividas e sim e apenas, ajudas e apoios para a transformação, ou simplesmente encontros presenteados pelo acaso. Talvez sejam oportunidades permitidas para vermos, o que está bem ou mal, ou então esconder de si mesmo o que acha que deve. A ele lhe cabe.
Não se deve entregar tudo ao destino e ao tempo. Nascemos das famílias que nascemos, porque é através delas e no seu seio que nos encontraremos e veremos quem somos, mesmo não tendo. Que enfrentaremos as nossas dificuldades e os degraus que teremos para subir. Difícil? Sim por vezes.
Mas quando percepcionado, as forças redobram-se.
Renovam-se e a cada degrau se renasce.
Aí encontramos companheiros de viagem, que descansam no desânimo da longa caminhada ou na esperança.
Retomamos encorajados por eles, ou encorajando-os.
Ou então nem os vemos, não nos apercebemos porque estão.
Mas sempre há a despedida no abraço de consolação ou solidão. Mas há.
Pois o nosso eu requer e exige a solidão para se encontrar.
Mesmo que isso nunca aconteça na totalidade, são regressos ao interior, chamados sinuosos, tortuosos e até enganadores.
Dizem-se perfeitos, enredam-nos na ilusão e fazem com que percamos a razão, a noção do somos, para que estamos e para onde vamos.
Reflectem-se em nós os brilhos ofuscantes, o que achamos nos ofuscam, sem pensarmos ou avaliarmos que somos nós os reflectores e refractários de tudo o que nos cerca.
Mas se sabes quem és ou finges saber ser, olha ao teu redor e nos outros te reconhecerás. Olha bem, com quem te enfureces e tenta compreender. Esse ser, só te pode enobrecer, pois faz saltar o que ainda terás e poderás trabalhar.
Nunca te vanglories do que achas ser, pois quando o fizeres deixas de ser.
O que É não se fala, não se enumera, nem nunca se altera. Apenas flui, deixa transparecer, é absorvido e emanado do Ser. Porque apenas É para ser.
Ninguém é mais ou menos. Mal de quem se acha acima ou abaixo e se esquece do seu lugar. Esse sim é importante, é mutante e faz nivelar.
Nada pode contra o nível a que cada um se propõe, mesmo que os desníveis se aproximem a cada instante. Pois é nesse tempo, nesse momento, que o nível do ser pode e deve melhorar.
Calibre? Sei lá! O que importa é que Seja, tenha dimensão e grandeza! Espécie e qualidade e não se refugie na inutilidade da vangloria do ser.
Dina Ventura 6 de Julho de 2009

À LUZ DAS VELAS

bv: dv

I____________________________________________

As vaidades das grandezas humanas são o que valem.

Não passam de meras fragilidades, coisas vãs e fúteis

Desejo de brilhar para atrair a atenção dos outros.

Presunção ridícula.

Que ganas! Desprezar as vaidades mundanas!

Ostentar os pergaminhos, a inanidade das ambições humanas!

Se tudo o que é inane se preenchesse, que aconteceria?

Que seria dos espaços da vaidade da grandeza humana?

Acabavam as fragilidades, as coisas vãs e fúteis?

Existiria o desprezo pelos mundos inúteis.

Mas será que mesmo assim acabaria o desejo de brilhar,

De atrair a admiração superficial dos outros,

Da presunção ridícula de qualquer forma atrair e querer atingir.

Cair na tentação e vanglória do orgulho mísero dos seus pergaminhos?

Ao olhar o seu oposto, a modéstia vê o néscio

E no seu pedantismo e petulância apenas lhe restará o fogo-fátuo.

Valerá a pena, apenas por momentos sentir a vanglória?

Sentir que se é rei dum reino que não existe

E apenas persistir em reinar? E foi devido à falta de electricidade

Que todas estas barbaridades me assaltaram a mente,

Porque comecei a conversar com a folha ao contrário.

Ou seja, sem paciência para nada fazer, depois de ela se ter ido.

Então resolvi escrever à luz da vela e foi o seu bruxulear

Que me transportou para as brumas dicionárias!

Porque terá sido? Porque as palavras menos usadas se escondem?

Se esquecem, ou nos enlouquecem por não as escrevermos?

Mas se não as conhecemos, como surgem do nada no meio da escuridão?

Do nada escrevo, do nada penso, do nada aparece algo

E de algo nasce a Luz, apesar de continuar apenas à luz da vela.


II______________________________________________________

A espera mantém-se, pelo que não é habitual.

Sem ela tudo pára…comigo deu-se o oposto.

O pensamento não estando tão ocupado ou centrado,

Foge-me para coisas que não conheço…

Palavras “caras” dizem alguns! Ela vai ao dicionário!

E não é que fui? Fui mesmo! Ver os significados para inane.

Porquê para esta e não outra? Pareceu-me conhecê-la,

Ou quem sabe reconhecê-la e confundi-la com “insane”!

E não sei porque não o é e tem de ser insano.

Mas porque o terei pensado?

Para alguns até poderá ter significados próximos.

Sim porque se esta última nos remete para a loucura,

Para a insensatez e demência, talvez acabe por conduzir

Ao esvaziamento do conteúdo dito normal e vá cair no inane.

Mas enfim acaba por ser uma árdua tarefa

Dissertar sobre insano, porque no sentido figurado, é isso mesmo:

Difícil, excessivo e portanto um trabalho insano quase inane,

Escrever à luz de uma vela bruxuleante.

Dina Ventura 6 de Julho de 2009

sexta-feira, 3 de julho de 2009

DIFERENÇAS ENTRE - arte Arte e ARTE

Havia um vazio profundo que nada nem ninguém conseguia preencher. Era um viver penalizando-me e penalizando os outros que me tinham tornado assim, não tendo ainda tomado consciência que tudo estava em mim. Esse emaranhado de sentimentos começaram a aflorar com uma necessidade de evoluir interiormente e isso implicaria o sair, o encarar o mundo. Não podia continuar a fugir de mim e dos outros, para com um egoísmo adulador tentar marcar a diferença e justificar a não capacidade de edificação. Ouve uma necessidade muito grande de me conhecer, de tentar saber o que toda a gente questiona, porque por mais diferentes que nos achemos não passamos de simples mortais, do porque é que somos e para onde vamos.

Sendo o transpor para o papel uma auto terapia, senti necessidade de passar para o exterior as minhas sensações através da pintura, experimentando fazê-lo com um pouco de vergonha por lhe chamar isso. Mas como poderei chamar às telas onde coloquei, através das cores, o que sentia no momento. “Arte - aplicação de conhecimentos racionais e de meios especiais à realização duma concepção. Opõe-se à ciência teórica e à prática espontânea. Conjunto dos meios que o ser humano emprega para exercitar sensações, sentimentos e em especial o sentimento do belo. Como para tudo existe um mas, também pode significar ardil, maldade, artifício, astúcia, modo, jeito.” Definição retirada da enciclopédia Lello Universal.

Poesia, arte, literatura são conceitos eivados de uma subjectividade concreta. A vida é toda um emaranhado de situações dúbias, reais e irreais, uma amálgama de sentimentos, manifestados através das formas mais diversas, desde o crime ao amor, da delicadeza à avidez. Todo este conjunto de sentimentos, sentido quotidianamente por quantas pessoas que respiram, não são levados até às últimas consequências, não são apreendidos, nem retratados. Não são mesmo vividos, são muitas vezes apenas percepcionados. Contudo, a vida seria bem melhor se as situações fossem efectivamente vividas. Mas por vezes as pessoas não têm ou não querem ter sensibilidade para tal, pois os seus afazeres absorvem-nas de tal forma que nem tempo têm para ler, admirar ou até Pensar. Porque digo isto? Exactamente porque poesia, literatura, pintura, enfim Arte, tentam através da sua forma subjectiva levar a complexidade da vida junto das pessoas, mostrar-lhes as situações concretas, denunciando-lhes tudo o que a elas pouco lhes diz na aparência, mas que através de metáforas e enquadramentos entendem, meditando depois.

Como diz o poeta: “A arte é um encontro e há tanto desencontro nesta vida”. É isto. A arte é um encontro, é o encontro da beleza com a realidade ou a busca do caminho para tal, é o encontro das pessoas, por si só e entre elas, é a comunicação da vida, é o dar de cada um, é a vivacidade de saber viver, de saber compreender, de saber transmitir.

A arte não é só apreciar que as cores das aguarelas estão bem enquadradas naquele motivo, é saber, porque motivo elas se transformaram em quadro. E aí sim, aí teve de se ir ao âmago da imaginação de quem pinta e de quem sente a pintura. Aí, tentou saber-se o porquê daquele quadro e não doutro e o que pretende ele transmitir. Porque será que a rosa e a pomba brancas, são símbolos do amor e da pureza? Porque é assim que o amor deverá ser, será? Assim a Arte tenta mostrar ao mundo, o que o mundo não quer ver. A sensibilidade inerente à sua própria condição, leva-os a identificarem-se com esta ou aquela forma de sentir e depois relatam, transmitem, querem ser compreendidos. E era bom que fossem. Os desencontros da vida, a não identificação entre o pobre e o rico, entre o intelectual e o popular, entre o homem e a mulher, a guerra e a paz, o bem e mal, amor e ódio e um não mais acabar, são temas que integram as obras de arte, quer seja de Arte propriamente dita ou da arte em geral. É aqui que a arte encontra a vida, é aqui que a arte se dá, para receber da vida. Bela, feia, recalcada ou liberta, activa ou apática é esta vida que a Arte expressa. São as realidades da vida que através dela se expandem, se propagam e se divulgam. Mas não é só isto. É também o saber fazer isto, saber transmitir, saber divulgar. Muitas pessoas estão fechadas e é para com essas que é fundamental que a arte funcione. É contra esta vicissitude que muitos artistas devem lutar. É neste campo que eles devem combater para mostrar que a arte, com “A” grande, é sentir, é viver, é ser.

Tema controverso este da arte. Ou da Arte? Tema passível de várias interpretações, dependendo da arte de sentir. Mesmo sem sermos artistas vamos aprofundá-lo, porque para tudo é preciso arte e em especial para viver. Mas nem sempre o que temos dentro de nós está pronto para ser mostrado de uma forma bela aos olhos de todos, por isso o que para mim se tornou muito importante, foi mostrar sem medo o que à partida poderia não ser belo e muito menos Arte, mas que seria a única forma de lá chegar.

Já que não tenho alma de Artista quero ser artista com Alma. Sem medo ou vergonha de ser o que sou.

Não sei se foi por me ter debruçado sobre o significado da palavra Arte que despoletou em mim uma vontade imensa de pintar e desenhar ou apenas o ter descoberto que não conseguia descrever o que sentia através das letras e que talvez o conseguisse colocando para a tela as cores da alma. Assim fiz, não sendo um trabalho com técnicas de arte ou esteticamente belo, teve na altura e mesmo agora à distância um valor muito especial, do qual não me envergonho, antes pelo contrário, pois como tudo, também fez parte da procura para me conhecer. Comecei pelo desenho à vista, a lápis. Foram os meus primeiros trabalhos mais sérios e talvez razão para terem sobrevivido até agora. Como acontece com tudo na vida, pouco a pouco fui perdendo o medo de não ser capaz e ganhando coragem para me aventurar em novas experiências, passando da simples folha desenhada a lápis de cor, passando para o carvão, aguarelas, até me aventurar à tela e ao óleo.

Cada um sente o que sente como sente. Se uma criança ler estas palavras e estiver no grupo dos privilegiados que nada lhe falta, possivelmente perguntaria à mãe se esta pessoa tinha problemas mentais. Não estaria de todo errada, era por tê-los que dava tanta importância a tudo que de seu poderia ficar exposto, ser criticado ou rejeitado. A pseudo artista só mais tarde veio a perceber o valor da sua obra, não por ser uma obra de arte, mas sim por ser a Arte para conseguir viver.

(in: nas asas do vento encontrei) Dina Ventura

quinta-feira, 2 de julho de 2009

DIVERTIDO

Dei de olhos com uma sinalefa para apreciação de textos!

E lá estava ela num simples espaço quadrado! Um visto

Em forma de ave longínqua, que denunciou a passagem

De alguém! Que ao ler, se leu, o que está escrito

Ficou quem sabe, alheio, desatento, alegre, entretido,

Ou quem sabe até recreado! Antes isso que o antónimo!

Mas divertido também pode significar, dissuadir-se de algo

Mudança quem sabe e desvio da aplicação.

O divertimento musical, são pequenos entre actos

Composto de dança e música, que terminam em representações

Dramáticas. Ora isso pode simbolizar, que nem sempre

O que achamos ou queremos acreditar ser divertido, o seja

E sim, não passe ou seja apenas um esforço para fuga

A representações mais profundas. Porquê?

Por falta de tempo, ou receios intensos do mesmo,

Porque a própria diversão contém o acto

De voltar para uma e outra parte, devido a inconstâncias.

Tal como uma operação militar ou doutro tipo qualquer,

Que apenas faz da diversão uma manobra,

Tendo como finalidade desviar o inimigo,

Tal como se tenta desviar o espírito para coisas diferentes,

Daquelas que nos preocupam, mexem, remexem e desnudam!

Portanto o que poderá ser um confronto,

Passa a divertimento estratégico.

“Isto” não é um poema e sim uma dissertação, acerca

De quem passa por aqui, que muito me enobrece a alma,

E considera o lugar, Regatos da Concentração, divertido.

Bem vindos e que realmente o sintam também como tal,

Que os ajude a desviarem-se do que os preocupa

E se sintam divertidos pelo menos por instantes

E que a Vida é o verdadeiro divertimento

Quando se consegue Alcançar. Mas temos de excluir

A tentação de passar divertido a divertículo

Porque passaria apenas a ser um apêndice oco e sem saída.

Dina Ventura, 1 de Julho de 2009


FANTÁSTICO

Outro olhar…e logo ao lado do divertido está o fantástico!

Não passando também de incógnito, ficam bem juntos!

Não sei porquê, mas lado a lado, dão-se compostura….

Acho que não, tira talvez a graça ao divertido, será?

Porque no fantástico está o criado pela tentativa,

Que pode tornar-se extravagante ou até absurdo.

Porém com capricho de devaneio. O fantástico nasce

Da inquietação e da dissociação que choca a razão.

Podem figurar fantasmas e sem dúvida ou com ela,

O que só tem cabimento na imaginação. Será mesmo?

Por ser oposto, ou quase, do real deixa de o ser?

Mas o fantástico é distinto do maravilhoso, dos contos de fadas,

Dos romances, onde o encantamento e a magia são a regra!

Fantástico é o intruso, um invasor do mundo submetido à técnica.

Coloca lá, a sua fonte de imaginação, de mistério, de horror até

Nas fissuras do pensamento cientifico!

Na vida através de várias vias encontra-mo-nos frente a frente

Com fenómenos que surgem do vulgar, por vezes até maléficos,

Mas que não passam de fantásticos, no contexto da vida real!

E assim nasce da inquietação e da dissociação indo embater na razão!

E estes seres fantasmagóricos, afinal existem na realidade

Ou somente na imaginação? Quem sabe?

Talvez como na actualidade, não passem de ficção científica,

Como forma de tentar prever, conhecer o futuro,

Por tanto o desconhecer e temer!

Dina Ventura, 1 de Julho de 2009


SURREALISMO


Chamam-lhe tantas coisas! Entre elas, movimento

Que tende a expressar o pensamento Puro,

Com exclusão de toda a lógica, preocupação moral,

Cultural ou estética. Apenas exprimir!

Então a sua forma mais correcta seria sobrerrealismo.

Assim tento alcançar o funcionamento real do pensamento,

Entregando-o sem qualquer domínio, nem preocupação,

Se ligará bem ou mal, se faz sentido ou não, apenas deixo fluir,

Os impulsos da minha vida interior, para tentar

Desvendar minuciosamente o Mistério da Imaginação!

Dos sonhos, das associações de ideias escolhidas, sem o serem,

Entre as menos racionais. Isso faz de mim surreal?

Encontrar-me com o acaso e questioná-lo?

Faz de mim algo que sou, mas deixo ser?

Acho que não. Sinto como Ser, que o que temos, possuímos

E somos, é para ser desvendado, trabalhado, descodificado

Ou até ficar em código se necessário, para que seja preservado.

Ou a não possibilidade de compreensão, por cada pormenor

Ser apenas pormenor de si mesmo.

Mas permite, que muitas partes da mente se abram,

Se dirijam a si mesmas e sem vergonha ou receios

Cumprimentem apenas, ou se tornem amigas da imaginação!

Dina Ventura, 1 de Julho de 2009