domingo, 24 de maio de 2009

INCAPACIDADE

by: dv

Os três estados dificultam o dizer.

Por serem três fazem com que me perca.

Há sempre o perder algo até chegar.

Vejo lá dentro, sinto e escrevo, perdendo grande parte do que era.

Fica muito pouco.

Mal consigo conter a raiva perante a incapacidade.

Então volto-me para ela, porque não?

Se ela existe é por alguma razão e é a ela que terei de pedir ajuda.

Essa incapacidade sente-se perseguida e atraiçoa-me,

Com pensamentos duplos, triplos,

Até que finge compreender-me para que eu não a veja.

Desculpa-se com os estados, com o pensamento descodificado,

Com a surdez interior.

Chama-me de inferior.

Ela vive dentro de mim, eu sou a sua casa.

Então é ela que me conhece, é ela que ordena.

Há a revolta. Ri-se de mim.

Ela é que me abandona quando quiser,

Quando esta casa já não lhe servir, sai.

Há tantos lugares por aí.

Mas sinto-me satisfeita porque me apercebi dela.

Tornou-se um fardo, um peso que não me faz vergar.

Mas faz-me pensar, agir e tentar

Encontrar a melhor forma de a transportar...

... Incapacidade.

(In: nas asas do vento encontrei orixá) - Dina Ventura



PARAGENS...ESFORÇOS TALVEZ


by: dv

Há o recomeçar.

Que triste é a tristeza do estar parado.

Desgaste, esforço em vão, do não conseguir.

É como o desejo de gritar, para quem nunca falou.

Pena lançada na água de um rápido veloz.

É a dor do não parar, a dor da impossibilidade perante a visão.

Paro.

Dói pelo que foi a pena ou por não conseguir saber o que será?

Saudade do futuro.

Esgotamento precoce perante o não feito.

Manchas de tinta.

Rostos sujos pela imagem da alma.

Corpos doentes, sangrando, arrastando-se no hospital.

Hospital de nome vida, com jardins onde uns se passeiam,

Outros espreitam, se escondem, mas nenhum lá consegue morar.

Quem não conhece os jardins? Se sofre? Se sofre menos? Talvez.

Mas eles existem e para quê se são só imagens?

Recolhe-se ao hospital, é assim.

Passeio grátis pelos corredores desse imenso casebre.

As divisões multiplicam-se, portas que não se abrem,

Vontade de conhecer todas essas salas, recantos e gavetas.

Há o medo de se perder, de não conseguir dar com a saída.

Há os recuos para não perder de vista o que se tem pela frente.

Necessidade urgente de olhar para trás, para essas sombras,

Caminhos já percorridos, mas que não se vêem.

Chega-se novamente ao jardim e apesar de ser o mesmo,

Aproveitamos o pouco tempo que estamos nele para, pelo menos, respirar.

Empurram-se, todos precisam de ar puro.

Todos querem, ao menos uma vez, entrar nesse jardim.

As notícias correm como o vento, todos virão a saber que ele existe

E depois como será, perguntarão?

Não cabemos todos no jardim e lutamos, lutam...

Retiro-me, tem de haver uma saída.

Obrigada hospital, vida assim te chamas,

Vou tentar criar um pouco de jardim,

Neste quarto alugado à vida.

(in: nas asas do vento encontrei orixá) Dina Ventura



GRITOS - ECOS DE MIM



Amarrotar papéis, escrever, riscar, pensar.

Quantos sentimentos dobrados, vergados, jogados.

Porque são soltos, descabidos, não se aceitam.

É preciso ordená-los em frases correctas, bem gramaticadas.

É preciso enquadrá-las num contexto fútil,

Mas útil para o texto.

Que se danem as criações, as ilusões,

O sentir singelo de uma simples frase.

Vamos polir as palavras, já gastas e sem brilho.

Vamos condecorá-las e repeti-las, amordaçando-as.

Há que pô-las de castigo, fechá-las, dobrá-las.

É preciso dominá-las, ensiná-las.

Há uma palavra já rouca de tanto palavrear.

De nada lhe serve. Tiraram-lhe a identidade.

Deram-lhe ordem de despejo, por tão mal se portar.

Era louca essa palavra, falava de mais.

Morava num campo livre, mesmo fechado.

Tudo lhe fora permitido,

Agarrando-se a essas rápidas asas – imaginação –

Era vê-la voar. Tudo abrangia.

Ela era o centro e dela tudo partia.

Agora é tarde, já cansada de nada lhe serve gritar,

Ninguém a ouve, ninguém a respeita. Nada vale.

Perdeu-se tal como as outras.

Mas será que mesmo já gasta, ajudada por essas asas

Conseguirá voar mais alto, gritar de novo

E de novo voltar a fazer ouvir e respeitar o seu nome

Liberdade!

(in: nas asas do vento encontrei orixá) - Dina Ventura