terça-feira, 1 de junho de 2010

CRIANÇA


Óleo s/tela com aplicações - Crianças - Dina Ventura - 2010

“...as crianças são os seres mais incríveis porque não têm maldade, são puras...”
Gostava de vos mostrar algo
Que na altura não consegui desenvolver,
Não por não saber,
Mas por não ter sido a altura ideal
E que agora penso ser capaz.
Não lembro o que pensava quando era ainda menina.
Não lembro datas... apenas lembranças ténues...
Não me lembro de ter vivido pequena,
Daí a necessidade de manter sempre
Um pouco da criança que não fui.
Aos poucos vou lembrando,
Não de mim mas do que eu senti.
O que de mais nítido guardo na lembrança são cheiros...
Cheiros que nunca esqueço e que me agarram à infância.
Recordo o cheiro do pão quente, da lenha queimada,
Transformando-se aos poucos em cinza incandescente,
Levando ao rubro as pedras próximas daquele semicírculo.
O estalido de protesto de uma ramada ainda verde,
Para dizer às chamas que ainda não estava preparada.
O cheiro acre e adocicado da massa levedada,
Que aos poucos rasgava o aconchegante farelo.
Lá fora o vento forte levava até mim o cheiro da terra molhada!
E, lá longe, aquela barreira que me chamava...
Era um mundo de cheiro e vida onde sonhar era tão simples!
Apanhava um pouco daquela terra sedosa,
Apertava-a carinhosamente e deixava-a escorregar por entre os dedos.
O barro que sobrava nas pequenas mãos era tão moldável...
Uma bola, mais um retoque e o sonho começava.
Do nada um Mundo se formava.
Tudo à minha volta tinha vida e eu criava!
Não sentia o tempo passar.
Apenas gostava daquele lugar e pensava...
Que tudo podia ser de barro, que o seu cheiro era intenso e o sabor?
Como seria? A que sabia? Só teria de o provar!
Mas se eu gostava tanto daquele lugar. Existiriam outros e como seriam?
Era fácil imaginar.
Olhando ao longe, para além daquele monte,
Para mim o dorso de um cavalo a pastar, eu podia imaginar:
Cidades, casas, ruas...era tão fácil, bastava-me olhar
E lá estavam, debaixo daquele tapete de ervas verdes
Tantas coisas que apenas os meus olhos contemplavam.
O movimento era enorme.
Muita gente, embora parecida comigo, parecia não ver.
Seria que também me viam? Nunca cheguei a descobrir!
Após tanta observação o cansaço chegava
E para deixar de ver aquela gente bastava pestanejar!
E outro cheiro me atraía, o da água fresca que brotava daquela bica.
Era uma fonte, que sendo pública, só a mim pertencia.
Porquê? Ninguém lhe ligava, passava despercebida.
Mas para mim era muito importante.
Corria até ela, sentava-me na beirinha e brincava com a água.
Depois de joelhos e inclinando a cabeça
Deixava que me molhasse a cara acariciada.
Estremecia, pensando ouvir passos...mas não
Era uma pinha que caíra. Corria ao seu encontro
E lá ficava sem saber o que fazer. Que poderia fazer com ela?
Pegava-lhe, ficava muito quieta e lá continuava a sonhar!
Sentia a imensidão a rodear-me, eu era pequena mas sentia
Que algo me ligava a ela. Seria o que eu pensava?
Se eu pensasse muito, tanto quanto conseguisse ver
E depois cada um dos pensamentos desenvolver
Como sendo imensos,
Conseguiria aproximar-me mais do que me rodeava,
Ou seja, teria de desenvolver em profundidade
Cada pormenor das coisas e, só olhando para todas elas
Eu conseguiria aproximar-me do que me rodeava.
Era muito difícil e precisava de muito trabalho,
Porque ao mínimo descuido lá se escaparia um pormenor importante!
Pensava como seria um sábio, que para mim era quem tudo sabia.
Como é que eu seria capaz? Nunca seria...e chorava.
Mas pelo menos um bocadinho sábio eu podia tentar.
E lá começava.
Olhava para tudo o que me cercava,
Tentando entender o Porquê das coisas.
E o porquê de serem o que eram e não outras!
Ou será que seriam outras e não as que eu via?
E lá recomeçava tudo de novo,
Com o máximo de hipóteses que eu conseguia,
Até esgotar todas as probabilidades.
Sempre me encontrava numa encruzilhada,
Num ter a certeza sem certezas!
Quanto mais perto parecia estar dum resultado absoluto,
Mais depressa concluía que ainda tinha muito e muito a concluir,
Acabando sempre na Procura...

Dina Ventura (in: nas asas do vento encontrei