sexta-feira, 24 de julho de 2009

EPISÓDIOS I


Lápis: by dv

Não sei ao certo quantos já foram feitos. O que realmente sei é que vou voltar a fazer não sendo provavelmente a última vez.
Já lhe chamei balanço, mas desta vez será ponto da situação.
Lendo ou relendo alguns autores, sinto vontade de o ser, não por mera vontade física e material, mas sim por necessidade interior.
Apesar de haver momentos em que não consigo reflexões profundas, tento pelo menos não deixar escapar a possibilidade de me questionar sobre a razão de tal letargia.
Já escrevi sobre tantas coisas. Foram postas em causa tantas outras, que chego a pensar que o stock de palavras se esgotou.
A produção é escassa para a procura a que me obrigo. Não me posso acomodar a essa ideia, seria uma forma muito fácil de nada fazer.
Mas tal como tudo na vida, é um pouco doloroso começar...recomeçar.
As coisas não são tão lineares como já o foram. Há uma certa dificuldade em transmitir o que pretendo, que vendo bem não sei ao certo o que será.
Ainda não consegui engrenar, não cheguei àquele ponto de paragem do olhar para o exterior. Rodar o olhar 180 graus e recomeçar a ver!
É tudo uma questão de concentração. É um pouco caricato, mas para o conseguir tenho de deixar de pensar e apenas começar a sentir o pensamento. Há um desdobramento, passando a ser uma mera leitora do meu pensamento.
Parafraseando-me “só sinto que não sinto, vontade de sentir o que sinto”.
Chego à conclusão que não será isso neste momento. Gostava de sentir, construir algo de novo, uma ideia inovadora.
Enquanto descanso a caneta entre os dedos o olhar parou!
Algo despertou a minha atenção. Mas como pode algo tão simples...o que importa é que aconteceu. E lá estou eu...onde?
Num campo, ou melhor, no campo assim me parece. Um pequeno carreiro, dividindo uma parcela de terreno. Dum lado, muito verde, refrescando o ar quente com aquele cheiro intenso que caracteriza o limoeiro, contrastando com o amarelo dos limões bem maduros. Do outro, apenas o restolho de algo que terá sido noutra estação, bem viçoso e fresco.
Nem a água que a caleira deixa escapar chegou para refrescar. Apenas alguns malmequeres selvagens conseguem sobreviver àquele calor intenso, provocando no restolho a sensação de miragem. Tudo se torna um pouco irreal.
Avanço um pouco, evitando pisar uma aparentemente frágil flor, sentindo sob os meus pés a dureza daqueles restos que mesmo assim, atapetam um pouco aquele solo ressequido.
É estranho. Dum lado aquele fresco intenso dos limoeiros salpicados de amarelo, do outro bem perto, um terreno tão agreste, tão desértico, tendo como único objectivo o receber em directo aqueles raios, que mais parecem fogo, na esperança de que uma nova sementeira o venha refrescar.
Mas algo me fez parar. De susto talvez não, mas de surpresa. Afinal aquele solo servia de abrigo para alguém.
Deliciosamente ali estavam. Uma família, deduzi, reluzentes nos seus casacos novos, jazendo os antigos a seu lado. Eram três. Duas enormes ladeando uma mais pequena de olhar vivo como que para a protegeram.
Mostravam um contentamento letárgico sob aquele sol escaldante. Encontrava-me a um passo delas. Um arrepio percorreu-me, imobilizando-me. Senti os olhos delas cravados em mim, seria possível? Talvez não. De repente, como que despertas de um sono profundo, lançaram-se para o lado oposto ao que me encontrava, até que as perdesse de vista.
Num sussurro como se falasse para alguém que estava bem perto de mim apenas consegui articular em forma de suspiro, permanecendo estática:
-São...eram...cobras de Verão...
E num gesto calmo sentei-me no restolho áspero e quente, para recuperar do susto!
(in: nas asas do vento encontrei orixá - Dina Ventura)

3 comentários:

  1. lindo.....materia para explorar excelente...bjss
    cor do sonho

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  2. Bati com as asas dos meus olhos nesta tua janela e gostei....

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  3. fiquei rendido ao seu encanto me seduzi em cada palavra dita simplesmente amando e gostando de ter la conhecido dina ventura.......jorge

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